30 de mar. de 2014

Estou num Grupo do LinkedIn. E agora?

Por: Eliana Rezende

Parabéns!
Você é integrante de um Grupo no LinkedIn. Mas afinal: como tornar essa experiência, de fato, proveitosa? 
Costumo sempre ouvir comentários do tipo: “estou muito ocupado(a) agora, mas assim que desocupar um pouco participarei mais"..Ou: “acompanho as discussões, mas ando sem tempo para participar das mesmas”. 


Pensando bem, o tempo costuma ser apenas uma forma de fatiar os dias, as horas, a vida, e que podemos estende-lo ou encurtá-lo. Tudo depende de como fazemos essa partilha. Uma sugestão é de otimizar seu tempo! Como? Imagino que leia artigos e notícias todos os dias e sei que muitas delas tem que ver com área de interesse do Grupo a que pertence. A dica é simples: leu, gostou, que tal compartilhar? Ficou sabendo de algum curso, ou um bom livro que foi lançado, que tal contar? Sabe de alguma vaga de Emprego ou Estágio, poste para o Grupo. São muitas chances de fazer alguém feliz.

Sente-se acanhado ou tímido em dar comentários? Nos deixe saber que pelo menos “gostou” da postagem. Isso é um pequeno gesto que diz a quem teve a preocupação e o cuidado da partilha que você agradece sua preocupação. Além de ser um ato de gentileza e também uma porta aberta para futura discussão é uma forma de incentivar o postador a continuar a trazer “alimento” para acender discussões. É um jeito simples de dizer obrigado! Afinal ele destinou tempo pessoal para o beneficio de todos. Escrito por Eliana Rezende - Curitiba, Março/2014

Use os espaços do Grupo de forma adequada para cada tipo de postagem.
Veja, se você quer gerar um debate com ideias e sugestões a aba Debates é a adequada.
Mas se você quer comunicar uma promoção (seja ela pessoal ou profissional), indicar um curso, palestra ou mesmo um evento qualquer a aba adequada é a chamada Promoções. Para oportunidades de emprego, estágios, concursos e afins a aba adequada é a de EmpregosEscrito por Eliana Rezende - Curitiba, Março/2014

Nunca poste temas irrelevantes e que só interessem a você! O Grupo é uma comunidade: tome isso em conta!
Como saber desta relevância? Procure sempre o espaço de perfil do Grupo. Ali você pode saber quais os temas que devem ser abordados. Além disso, dê uma olhada na radiografia do Grupo. Nela você tem um gráfico sobre participantes, grau de experiência, localização geográfica, etc. Assim você fica sabendo o perfil de teus pares nesta comunidade.

Use sempre as sugestões de Netiqueta que estão aqui:

Em síntese, busque a adequação. Seja generoso na partilha e compartilhamento. E lembre-se: um Grupo não é apenas para se atualizar (para isso existem sites de noticias). O sentido maior de um Grupo é a troca e esta só ocorre quando interagimos.

Agora, se você se lembrar de algo mais que esqueci compartilhe por aqui. Sei que todos gostarão muito. Escrito por Eliana Rezende - Curitiba, Março/2014

Conto com todos!

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O trabalhador invisível

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26 de mar. de 2014

Pensados a tinta e escritos à máquina


Por: Eliana Rezende


               
"(...) me assediam de improviso, irreverentes e importunos, cinco agentes de clubs.
Offerecem, risonhos e palradores, perfeições e vantagens de apparelhos modernos que, a se lhes crer nas affirmações, vêm dar ao cerebro e á emoção o desvalor de inutilidades por não terem mais de funccionar!
As cellulas se fossilisarão e o grande sympathico torna-se-à uma surfluidadeenigmatica, como appendice! O coração, esse censor sensitivo restrictamente um musculo! 
 Insiste, um delles, porque me inscreva em um club de sorteios seriados para a acquisição de um apparelho de calculos e de uma machina, a seu dizer, no seu bojo indecifravel de pequenas engrenagens dentadas e de fios correntes.
Oh! A machina de escrever!
Decididamente a mecanica se alonga da limitação nobre em que se mantivera até bem pouco, da pura utilidade industrial, ao campo abstrato das especies emotivas!
Transpõe as fronteiras de sua acção pratica e digna, para pretender penetrar, com detrimento e affronta, a esphera íntima das mais delicadas expressões de nossas subjetividades (...): a alma, o eu recondido (...)" que tenta substituir "(...) pelos frios e inexpressivos signos de impressão mecanica a graphia espontanea e palpitante, que cunha e expõe a face phisica, a alma de quem traçou, de quem escreve...
Ah!..."  
               (Fon-Fon! 22/04/1911)
Adequar subjetividades aos suportes: esse é o desafio do escritor no desempenho de seu ofício.
A escrita impressa encontra sempre suportes que a sustentem: foi assim com a argila, a pedra, o couro, pergaminhos.... até chegar ao papel.
As ferramentas dessa intermediação foram muitas: de formas pontiagudas em sua maioria, faziam a palavra ser vincada em seu suporte. Impressão fixa de uma ideia, de um pensamento, de um desejo, de um decreto real, até de uma fantasia.

Transcorridos os séculos, a relação entre escrita e escritor era íntima, quase sem intermediários. Destes tempos era apenas o escritor, o papel, a tinta e a pena.
Dessa relação íntima, resultavam impressões de próprio punho. Emprestavam marca e densidade ao escrito. Pesavam sobre o papel, desenhavam tipos e ideias, em curvas e sinuosidades. O silêncio imperava: sobre o escrito jazia apenas o som do punho deslizando e atritando contra o papel.

Com a mecanização do escrito, vários escritores sentiam roubada sua alma e começa a haver, em sua perspectiva, um mediador. Intermediários entre punho e papel, os tipos gráficos registravam as ideias não em curvas, mas diagramadas e esquadrinhadas em linhas e formas retas. As tintas mecânicas vinham em fitas que marcavam o papel com uma grafia predefinida, igual para todos os escritos e escritores. Os tons eram de pequena gradação: preto, azul e posteriormente o vermelho. Uniam em um mesmo tempo a ideia e sua materialização por meio da impressão de tipos gráficos. Surgiram em tamanhos igualmente predefinidos, uma como minúscula e outra como maiúscula. Como uma cicatriz, as palavras assim vincadas ganhavam um tom de permanência bem diverso do sentido que hoje conhecemos, com impressões superficiais a jatos de tinta. Estas últimas, ganham um espaço sobre o papel sem imprimir-lhes uma marca indelével.


A escrita assim materializada tinha o som metálico dos tipos que encontravam a fita e imprimiam as ideias sobre o papel. Essa sonoridade foi-se transformando à medida que novas tecnologias eram inseridas.

Cada conjunto de palavras e pensamentos, explodia em sons e, quando bem cadenciadas traziam o som de ideias como que a dançar. Como um balé, as palavras impressas e sonorizadas traziam materialização ao invisível e sensível.
Eram sons metálicos que traziam ruído às tintas do escrito.

Pouco a pouco, os escritos ruidosos e metálicos, passaram a timbres elétricos até seu quase silenciar: hoje só interrompido pela imitação dos mesmos nos toques em telas digitais.

O ritual de escrita mecânica era coreografado por outros sons e movimentos. O papel colocado no rolo onde os tipos mecânicos batiam, seguidos de tempos em tempos e de acordo com o ritmo e capacidade de digitação de seu escritor por tilintares onde uma manivela indicava a mudança de linha e a construção de outros parágrafos. O espaço entre cada palavra era marcado por um outro ritmar. E de som em som tinham-se uma harmonia discursiva. Postas e expostas as palavras ganhavam sentido.

 Tal como no "Concerto da máquina de escrever", que te convido a ver. Fique atento aos sons e ritmos.


A escrita era portanto, feita de métricas e obstáculos a vencer: tempo e velocidade onde as palavras podiam compor registros e ideias, número de páginas concluídas, quantidade de erros e páginas amassadas.

As ideias precisavam ser encadeadas de maneira a fazer sentido e quanto menos erros melhor. Não admitiam emendas posteriores. A escrita surgida quando limpa e organizada apontava a segurança e confiança de um autor ante seus pensamentos e ações. Inspiração materializada! O original nascia como tal: sem inscrições que anulam e apagam o que está a posteriori como vemos nos escritos digitais.  

E era assim que a relação escrito e escrita mecânica se constituía.

Uma relação tátil, onde os toques nas teclas serviam de ponte entre ideias e papel. Aqui, a escrita é linear, bruta. Só palavras. O movimento da escrita advinha das ideias e não de artifícios de imagens, sons, vídeos, links e hiperlinks que nos habituamos a ver. A palavra ancorava e sustentava o escrito. Os escritos e seus escritores eram densos, robustos. Sem superficialidades ou pressa. Tempos do poder da palavra.

A intimidade das tintas, sob essa ótica, só pode ser conhecida pelo que entrega às palavras seu transito de pensamentos. O território das palavras é feito de muitas idas e vindas. De mergulhos em desfiladeiros de imagens, sons, ideias.... Escrito por: Eliana Rezende - Curitiba, Março de 2014

Daí a paúra do articulista da Revista Ilustrada Fon-Fon! ao descrever o que para ele seria a invasão da máquina ao espírito criativo do escritor.

Resistências à parte, em curto espaço de tempo a invenção mecânica começou a ganhar adeptos na mesma proporção em que anúncios cresciam nos diferentes meios de publicidade. Acompanhe alguns exemplos onde diferentes itens eram oferecidos como composição de um escritório ideal: dentre eles, a máquina de datilografar era item indispensável.


Até mesmo a resistência mecânica de suas teclas era colocada como atrativo fundamental na definição de um modelo. A Remington nos anos 1910 surgia como grande inovadora e possuidora do mecanismo mais que desejável pelos considerados escritores modernos. A modernidade era alemã!


O tempo passava, é a máquina de escrever começava a se transformar em um objeto de desejo. Sugerida inclusive para ser item um pessoal a ser presenteado.


Como sempre e transcorridas as décadas, a máquina de escrever ganha um ar saudosista quando comparada às escritas digitais. Penso que talvez isso decorra de ser um intermediário que poucos temos condições de ter hoje em dia. A escrita de próprio punho ainda é possível no momento que quisermos. Mas ter uma máquina de escrever significa destinar-lhe um espaço único em nossa vida. Ela não se presta a outras distrações e utilidades, tal como ocorre com os gadgets que temos à nossa volta. Quem a possui é para escrever. Um exemplo, é um artigo do ator Tom Hanks no New York Times falando sobre seu prazer com sua máquina de escrever. Leia aqui:

Essa relação de intimidade e proximidade entre instrumento e obra foi também explorada e captada em um ensaio fotográfico intitulado: "Autores famosos e suas máquinas de escrever", disponível no site Flavorwire, e que você pode ter o prazer de ver aqui:

Não somente fora do Brasil essa paixão perpassou vidas e interesses de escritores. Nossos mais conhecidos casos são as correspondência trocadas entre Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Nas palavras da pesquisadora Mônica da Silva Mota PimentaEscrito por: Eliana Rezende - Curitiba, Março de 2014

"(...) Até abril de 1925, as cartas enviadas por Mário de Andrade eram escritas à caneta, mas, a partir de então, ele compra a sua máquina de escrever, através do “processo amável das prestações” (MORAES, 2001, p. 200). Comunica a novidade a Manuel Bandeira, numa carta escrita em dezoito de abril, e partilha sua alegria pela compra que foi feita. Conta estar atrapalhado para escrever diretamente nela, segundo Mário, parece que a “ideia foge com o barulhinho” (p. 200). Mas, otimista, afirma que isso será passageiro, que logo se acostumará com ela. Como mais uma demonstração de amizade e carinho por Manuel Bandeira, faz-lhe uma homenagem: 
Manuel do coração,
comunico que comprei esta máquina. [...] E agora já sabe: quinze minutos que seja de descanso, estou na frente da Manuela batendo tipo sem parar. Manuela é o nome da máquina, por causa de você. Inventei agorinha mesmo isso. Não refleti nem nada: ficou Manuela. Assim a homenagem saiu bem do coração (p. 200). 
 Manuel Bandeira, quando responde a carta, em seis de maio, parabeniza o amigo pela compra e comunica que também receberá uma máquina e, em retribuição à homenagem feita, procura um nome para ela. Pensa em Mariana, Maroquinhas e acaba pedindo a Mário de Andrade, como “padrinho”, que escolha o nome a ser dado. O “padrinho” aconselha não usar diminutivo e sugere Mariona. Numa carta escrita em 13 de setembro do mesmo ano, Manuel informa “Não há meio de "Marocas‟ chegar!” (p. 236) confirmando o nome que receberá a sua máquina. (...)"

E se como eles, você está disposto a destinar tempo e espaço para uma delas, que tal contemplar algumas?
Seguem algumas sugestões, veja aqui:

Enquanto isso, já no século XXI:


E como nota final, deixo o poema de Giuseppe Ghiaroni, e um tributo do cinema a essa invenção mecânica que tanta arte produziu numa interpretação deliciosa de Jerry Lewis:

A MÁQUINA DE ESCREVER

Mãe, se eu morrer de um repentino mal,

vende meus bens a bem dos meus credores:
a fantasia de festivas cores
que usei no derradeiro Carnaval.

Vende esse rádio que ganhei de prêmio 

por um concurso num jornal do povo,
e aquele terno novo, ou quase novo,
com poucas manchas de café boêmio.

Vende também meus óculos antigos

que me davam uns ares inocentes.
Já não precisarei de duas lentes 
para enxergar os corações amigos.

Vende, além das gravatas, do chapéu,

meus sapatos rangentes. Sem ruído
é mais provável que eu alcance o Céu
e logre penetrar despercebido. 

Vende meu dente de ouro. O Paraíso 

requer apenas a expressão do olhar.
Já não precisarei do meu sorriso
para um outro sorriso me enganar.

Vende meus olhos a um brechó qualquer

que os guarde numa loja poeirenta,
reluzindo na sombra pardacenta, 
refletindo um semblante de mulher.

Vende tudo, ao findar a minha sorte,

libertando minha alma pensativa
para ninguém chorar a minha morte 
sem realmente desejar que eu viva.

Pode vender meu próprio leito e roupa

para pagar àqueles a quem devo.
Sim, vende tudo, minha mãe, mas poupa
esta caduca máquina em que escrevo. 

Mas poupa a minha amiga de horas mortas,

de teclas bambas, tique-taque incerto.
De ano em ano, manda-a ao conserto
e unta de azeite as suas peças tortas.

Vende todas as grandes pequenezas

que eram meu humílimo tesouro,
mas não! ainda que ofereçam ouro,
não venda o meu filtro de tristezas!

Quanta vez esta máquina afugenta

meus fantasmas da dúvida e do mal,
ela que é minha rude ferramenta,
o meu doce instrumento musical.

Bate rangendo, numa espécie de asma,

mas cada vez que bate é um grão de trigo.
Quando eu morrer, quem a levar consigo
há de levar consigo o meu fantasma.

Pois será para ela uma tortura

sentir nas bambas teclas solitárias
um bando de dez unhas usurárias
a datilografar uma fatura.

Deixa-a morrer também quando eu morrer;

deixa-a calar numa quietude extrema,
à espera do meu último poema
que as palavras não dão para fazer.

Conserva-a, minha mãe, no velho lar,

conservando os meus íntimos instantes,
e, nas noites de lua, não te espantes
quando as teclas baterem devagar.

                                     Giuseppe Ghiaroni



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23 de mar. de 2014

Em Tempos de Tintas Digitais: Escritos e Leitores - Parte II

Por Eliana Rezende

Em dois posts anteriores, que pode ler aqui e aqui, procurei abordar as questões referentes a fluidez de escritos propiciada por diferentes suportes neste principio de século XXI e os desafios que se colocam à profissionais das áreas das Ciências Humanas.


Se num primeiro momento concentrei-me nas formas e possibilidades de escrita, neste outro momento estarei atenta a desenvolver outra perspectiva:

Em outra margem e não menos importante, teremos a leitura.
Tal como várias outras formas de aprendizagens, sociais e culturais, obedecem a determinados códigos: haja visto que até a forma como deslocamos nosso olhar indica uma ordem que, para o ocidental, vai da esquerda para direita e de cima para baixo. Convenções estas que se colocam como contexto/parâmetro para que a  leitura se dê. A seguir, procede-se à leitura propriamente dita e que muitas vezes não é feita palavra por palavra. Em geral essa leitura possui uma forma geométrica, semelhante ao desenho da letra F.

Acompanha essa forma de leitura um código postural e gestual: que nos dias de hoje é feito, em geral, silenciosamente. A leitura em voz alta é utilizada em situações específicas com objetivos claros: em geral como meio de ter atenção para o que se lê, e aí pode ser uma situação pessoal ou nas formas clássicas de aprendizagem por iniciantes. Lemos com todo o nosso repertório social , cultural e pessoal (este composto por experiências sensoriais e intelectuais). Escrito por: Eliana Rezende - Curitiba, Maro de 2014
O bom leitor será arguto, profundo e fará conexões com outros escritos e experiências anteriores presentes em seu repertório. Conexões de sentido e apropriações serão bem vindas.


Com os suportes em formato físico as experiências táteis e sensoriais, serão muito maiores, não precisamos de intermediários como: aplicativos, tecnologias, gadgets em geral. Basta-nos a experiência do silêncio da alma e a inquietude do espírito. A viagem se dará e fronteiras serão rompidas.

Roger Chartier usa a expressão “códigos de leitura” e sua aplicabilidade ao campo da leitura de imagens também procede. Se pensarmos na fotografia, temos o fotógrafo nos dirigindo o olhar e nos indicando para onde, e o que olhar. Caberá ao espectador filtrar isso e aplicar sentido ao que vê.

Essa forma de argumento pode ser aplicada a diferentes mídias e suportes e, por isso, adoto aqui o termo texto ou escrita independente do suporte, mídia ou conteúdo. Assim pensado, o texto é único, porém com tantas e grandes possibilidades de leitura e interpretação!

Para além dessa ampla produção de novos suportes para o registro de escritas, o mundo contemporâneo também produz outra categoria de leitor e de produtores de conteúdos: não teremos mais epístolas ou registros seriados e linearmente postos.


A escrita e a leitura se colocam de outra forma: a escrita não possui mais o componente de linearidade que conhecíamos e diferentes narrativas podem dar-se. Um blog, por exemplo, que seria em outros tempos um diário, apresenta em seu entremeio escritos, imagens, vídeos, sons e que não se encontram dispostos naquela mesma página.

O leitor, por outro lado, é movido e hiperlinkado para outros rumos. O encadeamento do escrito não é de quem escreve, mas muito mais de quem lê e da forma que escolhe como leitura. É nesse contexto que o documento de hoje é produzido e é  nessa economia que circula, divaga virtualmente, desterritorializado, numa fragmentação veloz de tempos e espaços.

A narrativa se liberta de seu produtor imediatamente após a sua produção e é nesse sentido que paradigmas necessitarão ser revisitados, repensados e intermediados por muitas outras áreas.

Construções identitárias a partir de relações de convívio sociais serão infinitamente mais trabalhosas de se reconstituir pelos pesquisadores do futuro próximo. As trilhas deixadas terão muitas vias, acessos e saídas.

Neste princípio de século XXI sentimos esta transição que é cultural, social e, principalmente, de formatos e tecnologias. Muito natural que sintamos um tempo como se vivêssemos uma vaga. Com certeza  as civilizações que nos sucederem não terão estes questionamentos e poderão achar pueris nossas elucubrações.

Decisivos para essa nova forma de comunicação escrita são os hipertextos e a disponibilidade de tecnologias cada vez mais amigáveis do ponto de vista de compartilhamentos. Nas palavras de Assmann (2000):
[...] Do ponto de vista técnico, o hipertexto foi a passagem da linearidade da escrita para a sensibilização de espaços dinâmicos. Como conceito de conectividade relacional mediada pela tecnologia, podemos definir a hipertextualidade como um vasto conjunto de interfaces comunicativas, disponibilizadas nas redes telemáticas.
No interior de cada hipertexto, deparamo-nos com um conjunto de nós interligados por conexões, nas quais os pontos de entrada podem ser palavras, imagens, ícones e tramações de contatos multidirecionais (links). É importante destacar que o hipertexto contém geralmente suficientes garantias de retorno para que os sujeitos interagentes não se percam e se sintam seguros em sua navegação.
Acomodando-se nesse mundo da quantidade que, em muitos casos, leva ao detrimento da qualidade, temos 140 caracteres (Tweeter) que buscam uma escrita ágil e encontram um leitor pouco atento e muitas vezes sem foco ou concentração. Conexões entre sujeitos e pensamentos potencializam-se e constroem-se. A interlocução chega sempre na horizontalidade e caracteriza-se pela desterritorialização das ideias, de seus sentidos e de seus produtores e consumidores. 

Uma nova cognição se configura e denota uma forma diversa de pensar  relações e a construção de diferentes saberes.

Outra vez, Assmann afirma: (2000) sobre cognição e aprendizagem:
[...] As novas tecnologias da informação e da comunicação já não são meros instrumentos no sentido técnico tradicional, mas feixes de propriedades ativas. São algo tecnologicamente novo e diferente. As tecnologias tradicionais serviam como instrumentos para aumentar o alcance dos sentidos (braço, visão, movimento etc.). As novas tecnologias ampliam o potencial cognitivo do ser humano (seu cérebro/mente) e possibilitam mixagens cognitivas complexas e cooperativas. Uma quantidade imensa de insumos informativos está à disposição nas redes (entre as quais ainda sobressai a Internet). Um grande número de agentes cognitivos humanos pode interligar-se em um mesmo processo de construção de conhecimentos.

[...] Isto significa que as tecnologias da informação e da comunicação se transformaram em elemento constituinte (e até instituinte) das nossas formas de ver e organizar o mundo. Aliás, as técnicas criadas pelos homens sempre passaram a ser parte das suas visões de mundo. Isto não é novo. O que há de novo e inédito com as tecnologias da informação e da comunicação é a parceria cognitiva que elas estão começando a exercer na relação que o aprendente estabelece com elas.

[...] Em resumo, as novas tecnologias têm um papel ativo e co-estruturante das formas do aprender e do conhecer. Há nisso, por um lado, uma incrível multiplicação de chances cognitivas, que convém não desperdiçar, mas aproveitar ao máximo. Por outro lado, surgem sérias implicações antropológicas e epistemológicas nessa parceria ativa do ser humano com máquinas inteligentes."


Ações, escritos e produções se fazem cada vez mais com o que se chama de “desintermediação”. Em toda a história do homem, intermediários eram necessários para que a comunicação se fizesse e gerasse informação relevante. Hoje, contudo, tal necessidade deixou de existir e as relações passam a ser cada vez mais desintermediadas.

Nas palavras de Lévy:

[...] Até agora, o espaço público de comunicação era controlado através de intermediários institucionais que preenchiam uma função de filtragem e de difusão entre autores e consumidores de informação: estações de televisão, de rádio, jornais, editoras, gravadores, escolas, etc. Ora, o surgimento do ciberespaço cria uma situação de desinformação, cujas implicações políticas e culturais ainda não terminamos de avaliar. Quase todo mundo pode publicar um texto sem passar por uma editora nem pela redação de um jornal. O mesmo vale para todos os tipos de mensagens possíveis e imagináveis (programas de informática, jogos, músicas, filmes, etc). Passa-se assim, de uma situação de seleção a priori das mensagens atingindo o público a uma nova situação, na qual o cibernauta pode escolher num conjunto mundial muito mais amplo e variado, não criado pelos intermediários tradicionais.
Nosso tempo assiste a noção de que os meios digitais, são antes de tudo, uma metalinguagem que conseguiu fazer com que todos os conteúdos e formatos fossem libertados de seus suportes analógicos. Com isto, novas relações se constituíram e ainda estão em constituição. Infinitas composições, agrupamentos e criações se fazem, se fundem e nunca temos algo que esteja acabado e pronto.

Neste ambiente, a constante renovação e substituição, é imprescindível e alcança maior autonomia na mesma medida em que as inovações tecnológicas chegam. Muitos autores em obra aberta (wikis, por exemplo) acrescentam e são acrescidos a todo momento até que a mesma é dada por encerrada e colocada para ser consumida por leitores igualmente ávidos. Muito mais seduzidos pela novidade em si do que propriamente pela reflexão aprofundada dos temas expostos.

Sobre isso conversaremos no próximo post, que pode clicar aqui. Até lá.

Bibliografia:
Chartier, Robert (Org). Práticas de Leitura. São Paulo, Estação Liberdade, 1996.
Duque, Cláudio Gottschalg (Org). "Ciência da Informação Estudos e Práticas. Brasília, Centro Editorial, 2011

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Uso de tecnologias como política de preservação de patrimônio cultural - documental  
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18 de mar. de 2014

E se...

Por: Eliana Rezende

E se...
Se sua vida terminasse hoje? Se hoje fosse seu último dia?
A pergunta já se repetiu tanto e por tantos! A literatura, a ficção, a música, o teatro e as artes já fizeram essa pergunta. É também a pergunta preferida de diferentes religiões e certamente toma horas em sessões de terapia ou nas buscas de autoconhecimento.
Diria que é um exercício que poucos desejam fazer já que a imortalidade parece ser um dado adquirido. Todos fazemos planos, tecemos vidas e projetos imaginando que tudo estará igual quando o dia amanhecer.
Nunca o amanhã será tarde demais e esperar o outro dia é quase uma regra para tudo.

Mas, e se...

Quanto das tuas projeções, realizações, pensares e viveres permaneceriam?
Quanto da tua energia criativa estaria nas memórias de todos os que te vissem partir?
Quanto de "imortalidade" tua passagem imprimiria em vidas e projetos alheios?
Você de fato faria falta e mudaria rumos de existências, planos e outros viveres?
Afinal, o que mudaria quando você não estivesse mais aqui?

E se você fosse uma marca?
Quanto de você sobreviveria à tua ausência?
Quantas de tuas ações deixariam consequências, boas ou ruins, para os que aqui ficassem? Sim, porque estranhamente os impactos das ações realizadas ou não também deixam seu rastro.


Em geral, as pessoas vivem para si e seus projetos: alguns pequenos e pessoais. Outros circunscritos aos seus universos profissionais ou sociais. O que sempre passa desapercebido são as suas repercussões e alcances.

Gosto de pensar sobre como seria a vida das pessoas se eu não existisse. O que teria sobrado ou faltado em suas vidas. Quanto de minhas ações conscientes ou inconscientes trariam ou subtrairiam em seus viveres.
Penso que esse exercício nos ajuda a dimensionar nosso real valor. Este não é medido por cifras e bens: nenhum deles fará sentido quando não estivermos mais aqui. Definitivamente não somos o que temos e sim aquilo que somos.

O carro novo esperará na garagem até que outro o dirija. Aplicações e saldos bancários terão que aguardar um inventário. Flores e grama no jardim terão que esperar a próxima chuva. O cão estará deitado atrás da porta. O porta-retrato ficará empoeirado até que alguém o guarde. O livro com anotações para o prosseguimento da leitura esperará um novo leitor. O armário com as novas roupas compradas na última estação esperará ate que sirva de doação. Os certificados e diplomas serão papéis acumulados em gavetas junto com demais números e documentos que comprovavam que um dia você existiu. Correspondências se acumularão em alguma caixa postal e todos os registros de vida digital simplesmente estarão dispostos como se nada tivesse ocorrido.  A louça sobre a pia, a cama por arrumar, o lixo na lixeira. Os papéis sobre a mesa e a reunião inadiável esperará. Os livros estarão fechados e os CDs silenciados. A coleção de filmes numa prateleira que como todo o resto aguardará empoeirada a passagem do tempo.
Tudo o que acumulou estará ali. Não haverá mais donos, posses, proprietários ou propriedades.

Mas, e se...

À titulo de inspiração deixo algumas trilhas para que você faça sua reflexão.

Uma delas, o filme It's a wonderful life, traduzido para o português "A Felicidade não se Compra", de 1946.
"Capra e os roteiristas Frances Goodrich e Albert Hackett tiveram uma ideia genial, brilhante, na narrativa de A Felicidade Não se Compra, que muito mais tarde seria usada outras vezes no cinema: a de mostrar uma realidade atual ou futura que poderia ter existido se não fosse por algo que aconteceu no passado. É uma espécie de flashforward, para diante, em vez de para trás, para um futuro alternativo, desviante, uma realidade paralela que teria sido possível se as circunstâncias tivessem sido outras no passado. Se se tivesse optado por entrar à esquerda numa bifurcação, em vez de pegar a direita – como no poema de Robert Frost, a estrada que se abre em duas, e escolher uma delas fará toda a diferença".
Creio que a grande maioria não assistiu esse filme, e provavelmente agora seja uma excelente oportunidade. Que tal assistir?
Recomendo.


A fórmula bem sucedida de Capra repetiu-se algumas vezes, e em um filme bem mais recente a ideia de ir e vir ao passado, presente e futuro para transformar eventos, vidas e acontecimentos encontra de novo as telas. A trilogia "De volta para o Futuro", de 1985 dirigida por Robert Zemeckis.
Se assistiu reveja com esse novo olhar e se não viu, não perca a oportunidade.
Deixo igualmente um link de sugestão:


Indo por uma outra trilha você também pode fazer sua reflexão usando música. 
Escolho duas, uma nacional e outra internacional. Nos dois casos as letras remetem a esse pensar sobre o vivido, por isso atenção à elas!

If Today Was Your Last Day - Nickelback

Há a possibilidade do olhar de balanço pelo que deixou de ser feito, dito, sentido. Epitáfio dos Titãs:


Agora, deixando a arte e a ficção, vejamos um pouco de vida real registrada em tintas.
Trata-se dos registros da experiência de vida e trabalho de uma enfermeira que gravou epifanias de seus pacientes terminais sobre os seus arrependimentos às vésperas da morte. 
Bronnie Ware as gravou e postou em seu blog



Graficamente os principais são: 


Comentando a respeito de tais arrependimentos, a Drª Ana Célia Arantes, do Hospital Israelita Albert Einstein explicita sua interpretação e significado para a vida dos pacientes. 
Acompanhe: 


Bom, mas...
E se...

14 de mar. de 2014

Netiqueta: Fique atento em como usa o LinkedIn

Por: Eliana Rezende



O LinkedIn surgiu como uma alternativa em rede para que profissionais possam se expor ao mercado. Mas, como toda rede possui sua própria lógica de funcionamento.   
Não sou adepta de listas. Mas a numeração aqui tem um efeito didático: para pontuar mesmo! Escrito por: Eliana Rezende, São Paulo - 2012
Para os que começam, a lista fica como sugestão de uso. Para os veteranos como um lembrete: Escrito por: Eliana Rezende, São Paulo - 2012  
  1. Não aceite convites feitos por pessoas que você não conhece, pessoal ou profissionalmente. 
  2. Não envie convites para desconhecidos. Apresente-se antes.
  3. Não insira seu Email embaixo de seu nome ou perfil (quem já fez isso sabe o porquê da sugestão) 
  4. Ao enviar um convite pense se de fato é pertinente a quem se dirige (não crie desconfortos desnecessários à outra pessoa).  Não embarace ou constranja quem você nem conhece.
  5. Perca um pouco de seu tempo e, ao fazer um convite de conexão, relembre aos contatos mais novos de onde os conhecem e porque gostaria de estabelecer um contato. 
  6. Pense no LinkedIn a partir da perspectiva da outra pessoa (qual a intenção…). Isso se chama empatia. Aprenda a usá-la nos meios profissionais tanto quanto na vida pessoal.
  7. Procure ser natural: você está numa comunidade e deve se sentir à vontade, porém sempre o faça de forma cortês e polida. Não seja inconveniente, pedante, invasivo ou em alguns casos sem educação. Mantenha a distância correta para não repelir ou chatear quem quer que seja. Escrito por: Eliana Rezende, São Paulo - 2012  
  8. Fuja da tentação de usar mensagens prontas: redija cada uma de acordo com o perfil a quem se dirige. Todos gostam de sentir que alguém lhe destinou tempo e atenção. Em geral, a retribuição da gentileza será a regra:creia-me! 
  9. Ao participar de Grupos seja assertivo, fale efetivamente do tema proposto. Evite dar voltas e sempre releia o que escreveu para ver se está claro e compreensível aos demais. A participação em Debates deve ser sempre para acrescentar, somar. Nunca encare esse espaço como um campo de lutas e batalhas. Escrito por: Eliana Rezende, São Paulo - 2012
  10. Mesmo não sabendo sobre o tema, pergunte, questione: debate também é um espaço para tirar dúvidas e aprender. Lembre-se: você nunca está só! Sempre há outros que como você também está aprendendo.
  11. Sempre leia as regras do Grupo a que pertence e as siga. 
  12. Nunca, nem sob tortura, poste temas que sejam irrelevantes, propagandas e vendas que não interesse a ninguém a não ser a você mesmo. 
  13. Não escreva ou faça na rede nada que não faria igualmente no mundo social. 
  14. Por favor, obrigado(a) são palavras fundamentais. 
  15. Responda sempre todas as suas mensagens, ainda que de forma rápida. 
  16. Cuide da foto que está no seu perfil: você não está em outra rede. Não convém ter fotos de momentos de lazer ou compartilhadas com outras pessoas/relacionamentos ou filhos. A boa impressão e imagem postada andam juntas nesse caso. Seu companheiro, amigos, parentes ou filhos não são você como profissional: atente para isso! Por mais que os ame, essa rede profissional não é o local para demonstrar isso.   
  17. Você não está no Facebook! Portanto, aquela fórmula entediante de uma foto e uma frase não cabe por aqui. Incluem-se também àquelas frases de auto-ajuda, motivacionais, e a nova febre que tem aparecido que são os desafios numéricos, de palavras e afins. Guarde isso tudo para outras redes! Encontre formas mais criativas de se comunicar, por favor!
Escrito por: Eliana Rezende, São Paulo - 2012
É lógico que esta lista pode crescer. E cresceu! Confira este outro post sobre como aproveitar a experiência dos Grupos no LinkedIn, clicando aqui:
Será que você tem um outro item para sugerir? 
Fique à vontade!

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10 de mar. de 2014

Em Tempos de Tintas Digitais: Escritos e Leitores - Parte I

Por: Eliana Rezende

Em um post anterior introduzi o tema da fluidez de escritos e produções e os desafios que diferentes profissionais da área das Ciências Humanas enfrentarão ao tentar entender essa sociedade de princípios do século XXI, a partir de seus registros escritos.

De uma velocidade de ritmos e de suas relações, surge um mundo feito em compartimentos e uma explosão tecida em rede e composta por núcleos que se aglutinam e se afastam imitando o que seja viver em uma sociedade análogo-virtual.

São fragmentos compostos por pequenos textos, vídeos e mesmo imagens, que são concebidos e produzidos com intenções explícitas, quer por sua divulgação, quer por sua destruição. As formas de descarte são profundamente acentuadas e circunstanciada subjetivamente: a penúltima produção cede sempre lugar à última e que em vários casos encontra numa tecla delete o seu destino final. Tudo é facilmente substituído pelo imediatamente posterior. Ao “consumidor” final fica a incógnita dos objetivos, opções e escolhas tanto de uma ação quanto de outra.


As repercussões que tal ambiente, vivido e compartilhado em redes terá sobre comportamentos, ações e produções sociais, culturais e pessoais ainda gatinham. Estudos mais aprofundados precisarão e irão surgir como forma de remeter e verticalizar essas dimensões.

O que é indiscutível dizer é que as pessoas constroem uma representação de si (persona) tal como sempre o fizeram, o que ocorre no cenário atual é que as dimensões e o universo dessa exposição (avatar) são muito diferentes da que ocorria em tempos passados. Avatares (personas virtuais) expostos em compartilhamentos na rede possuem a possibilidade de ser construídos infinitamente pelos seus próprios produtores e reprodutores. Cortes e recortes são possíveis tanto quanto prováveis e tantos quantos queiram modificam o que tem em mãos para, em seguida, compartilhar a inúmeros outros.


Desse mundo editado e reeditado, fragmentado inúmeras vezes, os espaços de privacidade encurtaram-se. O ciberespaço oferece a dificuldade extra para que indivíduos consigam construir tais pontos. Anteriormente, eram físicos e circunscritos aos nossos locais de trabalho, a casa, a escola, nosso quarto: era simples defini-los. Hoje há uma movimentação tão grande e por tantos que a maioria não sabe bem onde acaba um e começa o outro, ou se de fato terminam! Espaços pessoais ou individuais, públicos ou sociais são movediços e se justapõem.

As chamadas correspondências ordinárias, biografias e mesmo diários, que forneceram tantos subsídios a gerações de historiadores e outros pesquisadores de diferentes áreas para análise e reflexão, encontram uma brusca mudança de formas e conteúdos. Em alguns casos, determinados formatos e padrões desaparecem ou vivem à beira da extinção.

Registros de próprio punho e correspondências com emissários definidos: algo totalmente em desuso e que inviabiliza a mais simples e primitiva forma de investigação composta por troca de ideias, pensamentos e sentimentos entre partes, está rapidamente desaparecendo. Substituídos por links, hiperlinks, textos, blogs, wikis e todas as formas de comunicação imediata, que são simplesmente tiradas do ar muitas vezes antes que as consigamos ler em sua inteireza. Conexões de sentido que ligam e linkam ideias e contextos perdem-se em malhas de sentido e, em muitos casos, pouco do que foi sua origem permanece.

(Continua aqui...)  e aqui:


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7 de mar. de 2014

Escrita em carmin...até quando?

Por: Eliana Rezende

Todos os anos no mês de Março comemoramos o Dia Internacional da Mulher (08/03). Mais do que uma comemoração, temos sim um dia de reflexão: são histórias de vidas de mulheres pelo mundo, muitas vezes escritas com tintas em carmin.
E é com uma mitologia feminina colorida que inicio a leitura destas tintas.

Lakshmi, Sarasvati e Durga são deusas mitológicas femininas do hinduísmo. Veneradas e reconhecidas pela simbologia que trazem ao imaginário feminino indiano.

Lakshmi ou Laxmi é uma personificação do amor na forma feminina do hinduísmo, esposa do aspecto divino Vishnu, o sustentador do universo. É personificação da beleza, da fartura, da generosidade e principalmente da riqueza e da fortuna. Este aspecto divino é sempre invocado para amor, fartura, riqueza e poder. É o principal símbolo da potência feminina, sendo reconhecida por sua eterna juventude e formosura.



Sarasvati é a deusa hindu da sabedoria, das artes e da música e a shákti, que significa ao mesmo tempo poder e esposa, de Brahma, o criador do mundo.

É a protetora dos artesãos, pintores, músicos, atores, escritores e artistas em geral. Ela também protege aqueles que buscam conhecimento, os estudantes, os professores, e tudo relacionado à eloquência, sendo representada como uma mulher muito bela, de pele branca como o leite, e tocando sítara (um instrumento musical). Seus símbolos são um cisne e um lótus branco.



Durga, reencarnação de Satī (Devanagari: सती, o feminino de sat “verdade”) ou Dākshāyani é a deusa da felicidade conjugal e longevidade; ela é particularmente adorada pelas esposas, a fim de procurar prolongar a vida de seus maridos. Um dos aspectos de Devi, Dākshāyani é a primeira consorte de Shiva (o destruidor de mundos), em segundo lugar Parvati, a sua reencarnação.

Ela é também a deusa da beleza, a virtuosa, e ressurge com diferentes manifestações, na forma de outras deusas, daí ser chamada de deusa das mil faces. Tem muitos atributos e, desde a era védica, um dos principais é a fertilidade, a força que gera a procriação no mundo e nas espécies. É a própria geração da energia criadora, em sânscrito chamada de Shakti.


Tomando como mote esta representação mitológica, uma agencia de publicidade indiana decidiu mostrar o que a violência contra a mulher faria com tais deusas. Maquiagem foi usada para adicionar hematomas e feridas às modelos antes fotografá-las.
O resultado:

Eis a recriação da deusa Saraswati.

Esta é a recriação da deusa Lakshmi;


A campanha de forma simples e eficaz captura contradição mais perigosa da Índia: a de reverenciar as mulheres na religião e mitologia, enquanto a nação continua a ser incrivelmente insegura para as suas cidadãs mulheres

Esta é a recriação da deusa Durga.
A campanha adverte: "Só no ano passado, 244.270 crimes contra mulheres foram registrados na Índia."

E o Brasil?

Quanto se aproxima ou distância dessa campanha?
O relatório do IPEA (Instituto de Pesquisa Aplicada) inicia seu relatório de 2013, referente ao período compreendido entre 2009 e 2011 com a seguinte afirmação:


"A expressão máxima de violência contra a mulher é o óbito"

Apesar de forte traz em seu bojo uma verdade contundente: a violência pode simplesmente extirpar o direito à vida. Mas essa expressão máxima ocorre uma única vez. E o que ocorre com todas aquelas pequenas, frequentes e intermináveis violências sofridas cotidianamente e que não constam em estatísticas, dados ou registros?  Escrito por: Eliana Rezende - Curitiba, Março de 2014
E que só serão registradas quando encontram sua dita "expressão máxima" e transformadas em feminicídios?
Como pensar que a morte e a violência sempre parte dos que se chamam companheiros e que dividem talheres e lençóis? Ou que podem chegar na forma biológica de alguém que deveria proteger, como ocorre com pais, irmãos, tios ou demais parentes próximos?

Os índices dessa proximidade são assustadores: 40% dos casos de feminicidio são cometidos por  companheiros íntimos, contra 6% de casos onde é a companheira a assassinar. A violência nesse caso,  produzida por companheiro íntimo chega a ser mais de 6 vezes maior.


Principais resultados  Escrito por: Eliana Rezende - Curitiba, Março de 20



A taxa corrigida de feminicídios foi de 5,82 óbitos por grupos de 100.000 mulheres, no período 2009-2011.

De acordo com o relatório:
  • Estima-se que ocorreram, em média, 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma a cada hora e meia.
  • Mulheres jovens foram as principais vítimas: 31% estavam na faixa etária de 20 a 29 anos e 23% de 30 a 39 anos. Mais da metade dos óbitos (54%) foram de mulheres de 20 a 39 anos.
  • 61% dos óbitos foram de mulheres negras, que foram as principais vítimas em todas as regiões, à exceção da Sul.
  • A maior parte das vítimas tinham baixa escolaridade, 48% daquelas com 15 ou mais anos de idade tinham até 8 anos de estudo.
  • De acordo com os dados do documento, o Espirito Santo é o estado brasileiro com a maior taxa de feminicídios, 11,24 a cada 100 mil, seguido por Bahia (9,08) e Alagoas (8,84).
  • A região com as piores taxas é o Nordeste, que apresentou 6,9 casos a cada 100 mil mulheres, no período analisado.
O feminicídio é o crime de homicídio (assassinato) praticado contra a mulher por questão de gênero. Em sua avaliação os homens que praticam esse crime demonstram “ódio e menosprezo” pela vítima e têm “sentimento de propriedade sobre o corpo da mulher” - definição de texto de acordo com o Projeto de Lei do Senado que pode criar uma tipificação penal específica (PSL 292/2013).

Um levantamento feito pelas Nações Unidas em 139 países aponta que 2/3 deles possuem legislações para o enfrentamento da violência contra as mulheres, mas essas leis variam muito em termos de abrangência e rigor.

O estudo revela que, em abril de 2011, 125 países possuíam leis para coibir a violência doméstica – esse número inclui quase todos os países da América Latina e Caribe – e em 117 o assédio sexual no trabalho é considerado crime.

Dois terços dos países analisados pelo estudo da ONU têm leis contra violência doméstica, mas muitos ainda não classificam o estupro conjugal como um crime.

Leis sobre a violência contra as mulheres no mundo
  • A legislação sobre violência doméstica em Gana, Namíbia, África do Sul e Zimbábue inclui as formas emocional, verbal, psicológica e econômica.
  • A prática do casamento forçado foi criminalizada na Noruega a partir de 2003 e no Reino Unido, em 2007.
  • O artigo 341 do Código Criminal da Argélia criminalizou o assédio sexual.
  • Nos EUA, o Título VIII “Proteção de Mulheres Imigrantes Vítimas de Agressão e Tráfico” da Lei sobre Violência Contra as Mulheres está em vigor desde 2005.
  • No Camboja, a Lei contra o Tráfico de Pessoas para fins de Exploração Sexual foi aprovada em 2007.
  • A República do Benin implementou em 2003 a Lei sobre Repressão à Prática de Mutilação Genital Feminina.
  • Na Holanda, segundo as Diretrizes para Implementação da Lei de Estrangeiros, se uma garota está sob risco de mutilação genital, pode ser concedida residência permanente no país a ela e sua família.


Em 2012 as Nações Unidas classificaram a Lei nº 11.340/06 – a Lei Maria da Penha – como a terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica, perdendo apenas para Espanha e Chile.
Para entender o porquê, acesse na íntegra:
- a Ley Orgánica 1/2004,  de 28 de diciembre, Medidas de Protección Integral contra la Violencia de Género em pdf (796 KB), ou no site do Governo da Espanha;
- a Ley n. 20.066, de Violencia Intrafamiliar, de 22/09/2005, no site da Biblioteca do Chile, no link.

O caso da legislação no Brasil
Lei nº 11.340, de 07/08/2006 (Lei Maria da Penha)
Aprovada por unanimidade pelo Congresso Nacional e assinada em 7 de agosto de 2006 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei nº 11.340/2006 – popularmente conhecida como Lei Maria da Penha – tornou-se o principal instrumento legal para coibir e punir a violência doméstica praticada contra mulheres no Brasil.
Conheça a Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/2006 (SPM-PR, 2012), aqui:

Alguns números sobre a violência contra as mulheres no mundo
Segundo a OMS, estudos internacionais mostraram que a violência contra as mulheres é muito mais grave e generalizada do que se suspeitava anteriormente. Após examinar uma série de estudos realizados em 35 países, em 1999 a OMS constatou que entre 10% e 52% das mulheres foram agredidas fisicamente pelo parceiro em algum momento de suas vida, e entre 10% e 30% havia sido também vítima de violência sexual por parte do parceiro íntimo. Entre 10% e 27% das mulheres relataram terem sido abusadas sexualmente, como crianças ou adultas.

Estudos sobre violência no namoro sugerem que isso afeta uma proporção substancial da população jovem.
A violência doméstica também tem sido associada com maiores taxas de mortalidade neonatal e infantil e morbidade (por exemplo, diarreia, desnutrição, doenças).

Acesse o 'Estudio multipaís de la OMS sobre salúd de la mujer y violencia doméstica contra la mujer' (OMS, 2002) - aqui: 

Segundo o IBGE as formas de agressão física por gênero no Brasil podem ser assim distribuídas:


O dado aqui é contundente: o maior índice de agressão contra a mulher ocorre em casa, em 43% dos casos na Região Norte, 47% na Região Nordeste e  40% na Região sudeste do Brasil. Respectivamente os índices caem vertiginosamente para o gênero masculino, ou seja: 11% na Região Norte, 12,9% na Região Nordeste e 10,9% na Região Sudeste. 


Aqui os índices são reveladores: o grau de violência aumenta contra a mulher na mesma proporção em que o nivel de relação com o agressor também cresce. O que reforça a compreensão de que a violência contra a mulher é sempre vinda pela mão de um agente conhecido ou próximo.

A sétima edição do Dossiê Mulher apresenta informações consolidadas sobre a violência contra a mulher no estado do Rio de Janeiro, no ano de 2011, com base nas ocorrências registradas nas delegacias fluminenses.

Do total de casos de estupro registrados no Rio de Janeiro em 2011, 70,9% aconteceram dentro de casa. Pelo menos, 53,5% das vítimas tinham idades entre dez e 14 anos e, destas, 24,1% tinham até nove anos de idade. Segundo o levantamento, 11,6% dos estupros aconteceram em vias públicas e 17,5% em outros locais; 50,2% das vítimas conheciam os acusados e a maioria 54,4% eram pardas ou pretas.

A cada uma hora e meia, uma pessoa é vítima de violência sexual no Estado do Rio de Janeiro, segundo dados do Instituto de Segurança Pública. Segundo o ISP, foram registrados pelo menos 3.453 casos de estupro em  2013.  Escrito por: Eliana Rezende - Curitiba, 2014

A Sociedade e a percepção da violência
Uma pesquisa de opinião, realizada pelo Data Popular e Instituto Patrícia Galvão, revelou que a sociedade percebe e sofre tais índices. Em forma gráfica, veja de que forma:



Uma escrita em carmin:
De todos os dados, levantamentos, índices, o que temos é uma escrita em números feitas em tons carmin.
A violência doméstica ainda rouba existências, sonhos, direitos, dignidades... vidas.
Tingem de sangue ao mesmo tempo que apagam  viveres, possibilidades.

Maculam laços e revelam que números não são suficientes para dar conta de projetos não realizados, de vidas não vividas. Não dão conta de mostrar que a violência pode também ocorrer por dias, anos, toda uma vida cotejada em carmin por constantes maus tratos, desrespeitos, assédios, silêncios e não ditos. Calam e intimidam suas vítimas pelo medo ou força.

Apesar de concentrar-me neste post na violência de âmbito doméstico, não posso deixar de registrar a violência  miúda e cotidiana em mundos corporativos onde ser mulher é moeda desigual e tida como de menor valor. Sem dúvida pauta para um outro longo post...

Ah! E já ia esquecendo: ainda teremos o Dia do Índio, da Árvore, da Água, da Criança...

Conheça o site:
http://www.compromissoeatitude.org.br/home/pagina-inicial/
Confira mais dados sobre a violência contra mulher e sua percepção pela sociedade aqui:

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